Uma viagem de volta ao Cariri
Fonte: El Pais. Clique aqui e confira.
Uma viagem de volta ao Cariri

Alvíssaras, camaradas! No baião de dois, o cheiro do pequi vale por mil madeleines do escritor Marcel Proust: instiga a memória de uma vida inteira, em ritmo de repentista.
O cheiro do pequi espanta o raio gourmetizador a léguas de distância. A frutinha vai bem em tudo: no mungunzá salgado, na galinhada, às favas, feijão-andu, mocotó, na buchada-de-bode da tia Orema e até na moqueca de maridos das lendas indígenas. Nem vou citar as propriedades afrodisíacas da Caryocar brasiliense Camb. Do Crato a Bodocó, é um pequizeiro só.
Assim como Montego Bay (Jamaica) respira maconha, Paris cheira a crepe e croissant, Amsterdã a waffles, Edimburgo a extrato de malte de cerveja, Lisboa a sardinha e Madri lembra suas tapas — jamón, jamón! —, o Cariri cheira a pequi de dezembro a fevereiro, pelo menos. De Juazeiro a Potengi, do Jardim Altaneiras, de Barbalha ao Assaré de Patativa. Até a Euroville, uma utópica miniatura do Velho Continente em pleno oeste do sertão caririense, respira a cultura pequizeira. Tudo com muito cominho, óbvio, outro aroma regional capaz de fisgar até o nariz do russo Nikolai Gógol.
Minha Irene, aos dez meses, é novíssima apreciadora da fruta-tempero. Uma mamada na teta e uma roidinha de leve no caroço do pequi do Araripe. Eis a sustança divina. Embora o culto ao pequizismo seja uma religião caririense, óbvio que a riqueza também é encontrada no Piauí, Maranhão, Goiás e Minas, com fartura.